Havia já bastante tempo que ela se cansara de toda aquela merda no mundo!
Mas seu trabalho – que algumas vezes chamava de maldição – era indispensável a ela e algo do prazer, do ideal, do pouco de bom que ainda via naquela vida não a deixava desistir.
Só que essa era mesmo mais uma daquelas noites em que era difícil, mas muito difícil encontrar sua motivação. A noite estava fria, as muitas horas em que ela ainda teria que ficar em pé naquela rua vazia também não ajudavam em nada.
E a rua estava fazia em termos; mesmo ali, cercada pelas poucas e usuais companhias, ela sabia que milhares de olhos estavam à espreita. Pelas frestas das janelas, pelas janelas dos carros que passavam lentamente, por alguma fresta certamente o assassino acompanhava o desenrolar do que sua facada (ou teria usado um estilete) desencadeara.
Mais uma moça havia sido morta naquela noite. E só naquele mês outras três haviam perdido a vida. Sim, definitivamente viver assim estava cada vez mais complicado...
Quando finalmente teve que ir para a delegacia – ah, quantas noites não perdeu em lugares como esse – ela definitivamente estava exausta. Não queria saber de conversa, não queria ter que olhar para ninguém, não queria ter que estar ali. Se sentia suja, impura, cansada de tudo isso.
Então, em certo momento, um rapaz veio lhe pedir informações. Seu primo havia se metido em uma confusão em um bar e ele não sabia sequer por onde começar a ajuda-lo.
_ Saia daqui seu bastardo! Não vê que estou ocupada demais para ficar dando simples informações a um qualquer! – Mas isso foi apenas o que ela pensou!
Ela era melhor do que isso e ajudou o rapaz. Afinal, algo naqueles olhos brilhantes e inteligentes havia amolecido um pouco seu coração endurecido por noites frias ao relento como aquela havia sido.
Curiosamente, mais ou menos no mesmo horário do dia seguinte, ele passou por lá novamente. Sim, ela também havia voltado para lá – coisas da vida e ossos do ofício afinal! – e eles acabaram por conversar mais animadamente naquele momento. Felizmente nenhuma outra moça havia morrido e isso fazia tudo ficar um pouco mais leve.
E ela se permitiu relaxar um pouco, já que em outras noites o rapaz também apareceu. E eles começaram a se ver também fora dali, à paisana poder-se-ia dizer!
Mas apesar de tudo parecer bem naquele momento, ela sabia que as coisas continuariam difíceis. Sua vida, sua profissão, definitivamente não ajudaria em nada. Sim, ela já havia namorado, mas ninguém realmente a entendera. E havia coisas que ela tinha medo de confessar.
Ainda assim ela continuou; saíram mais algumas vezes e definitivamente aqueles olhos inteligentes e divertidos a haviam conquistado. Além disso ela sentia que algo de criativo se escondia atrás de toda aquela timidez que muitas vezes ele demonstrava.
O tempo passou e finalmente eles puderam passar uma noite juntos! Era difícil conseguir uma noite livre e despreocupada, mas conseguir aquela folga valeu a pena. Mesmo que nem tudo tivesse acontecido como ela gostaria, como ela queria...
E então, na manhã seguinte, ao perceber que ele tinha algo a dizer, apesar de estar com medo. E para derreter a geada que subitamente havia caído no quarto, ela começou a falar:
_ Gostei muito dessa noite (ela havia sim quase gostado muito); tomara que eu consiga logo uma nova folga...
_ Sim, sim, com certeza – ele havia despertado – mas eu preciso te perguntar uma coisa, por favor, não se ofenda!
_ Não, pode perguntar, sem medo...
Nesse momento a geada derreteu quando ela viu o sorriso de canto dos lábios do rapaz.
_ Na próxima vez, será que você poderia... Trazer as algemas?
E ela, feliz, se espreguiçou felinamente, pois sabia que não haveriam mais noites frias como antes.
2 comentários:
Gostei muito pois adoro esse tipo de crônica.
Muito bom mesmo!!
Cris Braz
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