Uma menina com cabelos de índia e constelação nos olhos quis me contar uns desenhos que fez na escola hoje. Acabou me virando do avesso e a hiperestesia insistiu até verter aqui.
Desenhos sobre: o que ela seria se não fosse humana? Qual sua maior tristeza? E sua maior felicidade?
- No desenho em que eu não era ser humano, começou, fiz um... dragão de Komodo!
- Hã?
- Hahaha! é que ele é engraçado...e coloquei uns olhões bem grandes...
- Putz! Eu quero ver o desenho porque nunca vi um dragão desses... (ufa! e seu lado não-humano ainda tira onda de monstrengo... Quis ponderar com ela que as fêmeas desses bichinhos parecem capazes de procriar sem os machos, o que pode ser desaconselhável conforme a espécie dos animais envolvidos... e depois imaginei as dragõezinhas dançando e cantando um trecho do Cocteau Twins: “my body is my own... my body is mine alone...”, mas logo retomei o foco e prossegui o diálogo com o pequeno dragão):
- E o desenho triste?
- Blábláblá - com pano de fundo tocando Lush -Derivation (essa parte fica limada, pelo óbvio; coisas que machucam pessoas queridas a gente só partilha pequenas doses, quando é preciso, e com quem as conhece e as ama também, ou não?)
- E sobrou espaço pro desenho da sua maior felicidade? Ah! Quero adivinhar... hum...a gente fazendo piquenique?
- Não!
- Acampando? Correndo na chuva e ficando legitimamente resfriadas depois? Vendo golfinhos? Caçando arco-íris na estrada?
- Tá frio frio...
- Ouvindo Adriana Partimpim? O trenzinho do caipira? Comendo bolo de chocolate? Quando ficamos em silêncio? Adivinhando pensamentos? Quando rezamos? Abrindo o pacotinho e as figurinhas não são repetidas? Tirando o gesso da perna e entrando no mar? Fechando os olhos e mergulhando nas historinhas?
- Não! Não! Não!
- (continuo imprestável...)
- É assim ó - e desenhou uma porta abrindo, abrindo também um sorrisão banguela e disparando: é a hora que você chega em casa, mãe!
2 comentários:
para mim, o mais marcante dos dragões de comodo é a forma como eles caçam e do que a sua mordida é capaz...
apesar de ficar extremamente curioso a respeito do desenho da tristeza, concordo que é algo a se preservar!
Ah que texto mais lindo!
Nada como ser criança... de fato elas serão o futuro, mas se não fossem O PRESENTE também o mundo seria um saco!
Postar um comentário