quinta-feira, julho 31, 2008

O Moleton Vermelho

Eu mal acordei e já estava te beijando. Era o mesmo beijo de sempre; gostoso, excitante, instigante. De repente parecia só um sonho. As cenas se confundiam, fiquei sem saber se acordava ou se tentava dormir. Seu gosto e seu cheiro não me largam. Sinto sua boca, ouço sua voz sussurrando no meu ouvido.

De repente viro pro lado e  a cama parece grande demais pra mim, e percebo que está quase vazia.  Estou sozinha ali, esperando você chegar, mas me enganando, pois sei que isso não vai acontecer. Vejo seu bilhete, com uma letra apressada e confirmo meu temor. Você se foi sem deixar rastro. Um simples “Adeus querida”, e tudo acaba assim, muito diferente de quando começou. Exalávamos paixão, tesão. Até amor, eu diria.

A noite foi excelente, como não era há tempos, mas pelo visto você não concordou. Achou que te forcei a estar ali. Uma pena, mas agora é tarde demais. Sabia que seria em vão te procurar, por isso mesmo nem tentei.

Às vezes penso que gostaria de ser burra, não entender o que se passa minha volta, não me preocupar com nada e assim não sofrer. Mas não consigo. Sou uma romântica incurável, extremamente passional e nada racional.

Com muito esforço, saio da cama e respiro fundo pra encarar o dia ensolarado e quente que nasce lá fora. Sei que vai ser cruel ver maioria das pessoas felizes com a aproximação do final do ano, mas não posso fugir disso, assim como das inevitáveis perguntas sobre você. Tento disfarçar, mas é em vão. A decepção e tristeza em meu rosto são visíveis e não há consolo que faça com que me sinta melhor.

Passo o dia trabalhando isolada, só atendo telefonemas imprescindíveis, falo o mínimo possível. Não tive fome, só saía da minha mesa para ir ao banheiro e nem água bebi.

As poucas vezes que paro pra pensar, é em você; e em como uma pessoa consegue em tão pouco tempo transformar nossa vidinha banal numa existência mais do que perfeita. E pouco tempo depois, assim de uma hora pra outra jogar tudo fora com uma frase curta e impactante: “Eu sou gay”.

“Como? Como não percebi nada? Como nunca ninguém percebeu? Ele era bom na cama, parecia que me amava”. Só pude pensar que era mentira, ou ele soube disfarçar muito bem. Não quis saber mais nada a respeito, a notícia, era suficientemente chocante para que tivesse coragem de buscar uma resposta às minhas dúvidas. Com o tempo, talvez encontrasse alguma.

Tudo que consegui fazer quando saí do trabalho, foi passar num cabeleireiro. Mas não para ficar mais bonita, como a maioria das mulheres faria. Pedi que cortassem todo o meu cabelo, aquele mesmo que havia cultivado durante anos. E radicalizei. Cortei literalmente todo, fiquei careca como um homem. Passei a não me cuidar tanto, engordei, minha pele piorou. Tudo de propósito, pois queria ficar feia para provar a mim mesma que desse modo nenhum homem me olharia, não teriam interesse por mim e quem sabe assim até abdicaria dos prazeres da carne para sempre, evitando sofrimento.

Para meu espanto, muitos homens passaram a me admirar. Recebia cantadas, olhares admiradores e propostas indecorosas. Até que num daqueles dias nos quais se sai sem a mínima pretensão de estar bonita, de calça, moleton e boné, um homem muito familiar senta ao meu lado na padaria e me confundindo com um alguém, vira para mim e diz: “Você fica lindo de vermelho, sabia?”.

Um comentário:

Muta disse...

senhor, santa confusão!

isso é algo, definitivamente, extremo... e assustador, in fact.