Fui alfabetizada primeiro em japonês e isso afetou minha memória e minha percepção de mundo de modo definitivo, significativo, sei lá mais o quê. Obrigue-me a decorar qualquer lista e eu a recuperarei com astúcia de trás para frente, ou seja, do último item para o primeiro. Peça-me para repetir a lista a partir do primeiro fator e arre, não consigo começar. Do mesmo modo, sinto enorme dificuldade para diferenciar verde de azul, mesmo não sendo daltônica, e teimo em enxergar a atmosfera e em associar sons a objetos que são mudos por definição. Isso sem contar, ainda, o confronto com a semiótica peirciana, a qual constitui até hoje um desafio a minha lógica invertida.
Essas características - tão minhas! - por anos me pesaram nos ombros. Eu era apenas uma japonesinha atrapalhada, incapaz de contar piadas, de berrar palavrões, de fazer cara feia, de mentir descaradamente, de passar rasteira. Eu era apenas uma japonesinha atrapalhada, que tinha o apelido de sorriso por motivos óbvios, que jogava basquete e futebol no meio dos meninos, que raspava o cabelo com gilete em vez de fazer escova no cabeleireiro, que ouvia bandas de hardcore só de meninas para ter algo que gritar, que sempre fugia dos japas porque queria um namorado não-oriental.
Mas, enfim, o mundo dá voltas! Comer de palitinhos não é mais uma arte exótica e restrita aos iniciados. Há restaurantes de comida oriental por toda parte e mesmo aqueles que não apreciam peixe cru gastam os tubos com sashimi fast food, só pra impressionar a namorada. Agora tem até comunidade no orkut de fãs de japonesinhas. (Podia ter uma pra fãs de japonesas balzaquianas que nem eu, né?)
Durante a infância e adolescência, eu era totalmente out, extravagante, exótica, estranha, bizarra até. Qualquer dia listo aqui alguns dos episódios mais extravagantes, exóticos, estranhos e bizarros da minha vida, tudo porque tenho olhos puxados.
Ah, mas o oriente virou moda e vieram os 100 anos de imigração.
De repente passei a despertar interesse (curiosidade?), uau, agora sou totalmente in só por ter olhos puxados. Mas então... quando mostro que não manjo lhufas de cultura japonesa, não leio mangá, não assisto a animê, não falo nem leio nem escrevo na língua dos meus avós e ainda denigro os restaurantes bacanas, báh, isso não é culinária japonesa... bem, continuo sendo apenas uma japonesinha atrapalhada - e falsificada, ainda por cima! Assim não dá.
4 comentários:
desconfio que vc seja é do contra, hehe
hum... pode ser! ;o)
Sei como é isso. Um dia ainda te contarei algo a esse respeito, de preferência numa mesa de bar, rs.
Can't wait to hear that!
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