quarta-feira, abril 29, 2009

Vida sem cheiro

Quando meu filho nasceu, fui a primeira pessoa a pegá-lo. Suspendi-o diante dos meus olhos, depois o abracei como pude, ele era só uma criaturinha escorregadia de 51 cm. Nada saía da minha boca, em compensação, uma infinidade de sentidos me penetrava. Até hoje me lembro do cheiro do meu guri recém-nascido. Por vezes, agarro o pequeno e dou uma cafungada no seu cangote, na expectativa de inalar uma vez mais aquele aroma de vérnix. Este já se foi, mas meu guri continua cheiroso, ao menos para minhas narinas.
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Quando uma frente fria pega os conterrâneos de surpresa, é um tal de desenterrar blusa do armário que invariavelmente o coletivo se enche de cheiro de mofo. E aí é um tal de eu espirrar que mal consigo me manter de pé.
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Quando minha vida se resumia a frequentar a escola e brincar, na volta para casa, da esquina eu sentia o cheiro do feijão fervendo no fogão, do alho frito para refogar a verdura e ainda adivinhava a mistura do dia. Voava para dentro de casa, largava a mochila e arrancava o uniforme em ritmo de olimpíada, porque afinal o almoço estava pronto e minha mãe não gostava de esperar.
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Quando faz calor, muito calor, dá para adivinhar pelo cheiro do ar quando a chuva está chegando. Assim que as primeiras gotas tocam o asfalto, evaporam-se instantaneamente, tem-se a sensação de respirar piche com concreto.
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Quando ozônio e sal ainda não eram usados para tratar água de piscina, o cloro era a única alternativa. Nos dias frios, o vapor irrita as narinas, os olhos e até provoca falta de ar. Mas nos dias amenos, em que não se exagera na temperatura da água, eu praticamente flutuo até a piscina, levada pelo cheiro de cloro. Na pele e no cabelo o odor não é dos melhores, mas combinado com uma piscina de fundo azul torna-se quase imbatível em termos de prazeres sensoriais.
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Quando acordo de dariz endubido e com o corpo dolorido, ai, tudo parece muito difícil. Tudo bem que, como alérgica nata, nunca tive o olfato muito apurado. Mas após dias sem sentir um cheirinho sequer sinto a vida tão descolorida...

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Sinta outros perfumes desta flor, acesse: o feminino do lótus.

7 comentários:

Nanael Soubaim disse...

Pequenas pílulas de preciosidades.

Lótus disse...

há qto tempo, hein?

pílulas preciosas precisam ser bem guardadas, tanto na memória como na escrita, não é mesmo? ;o)

Paulinha disse...

Tambpem amo cheiros, principalmente a capacidade que tem de reavivar épocas e nos fazer lembrar de pessoas. Apesar de sofrer do mesmo mal que vc, oh rinite dos meus pecados, acho que sempre fui boa com cheiros, com excessão dos dias em que a rinite comanda. E adoro sentir as pessoas desse jeito, quer dizer quando estas sao limpinhas, ne?
Tipo estar andando na rua e sentir o perfume da tia que mora em Santos e vc não vê há uns bons meses, chegar em casa e ligar pra saber como esta pra matar a saudades!
Amava ser a meteorologista da casa e avisar pra todo mundo que ia chover, assim que sentia o cheirinho da terra molhada vindo de longe.
Realmente, a vida sem cheiros não tem cor!

Nanael Soubaim disse...

Estou enfrentando grandes periclitâncias, querida. Minha vida está pelo avesso, mas tenho procurado honrar minha patota.

Muta disse...

ah como são importantes os cheiros...

memórias realmente se ativam com eles... de tal forma que dá até medo.

mas, ainda assim, sorte que não sou acometido por tais arroubos de falta de olfato! =P

Lótus disse...

Nanael, não sei que périplos tem encarado, mas de todo modo saiba que não é o único ser a ter a vida do avesso!

Muta, impressiona mais ainda como até cheiros ruins ativam a memória! Claro que desses eu não gosto de falar, mas enfim...

Rafa disse...

Felizmente não tenho rinite, e sou outra apaixonada por cheiors. Um que adoro e veio agora à minha mente (ou teria sido às minhas narinas?) é o das roupas da minha mãe.
Mesmo quando ainda morava com ela e todas as roupas da família eram lavadas juntas, as dela sempre ficavam com um cheirinho diferente.
E recentemente na casa dela (que era onde eu morava até uns anos atrás), peguei uma roupa emprestada com aquele mesmo cheirinho único. Mesmo estando ali e ao lado dela, me bateu uma nostalgia curiosa.