Ideia inaugural

Entre as inúmeras possibilidades para inaugurar aqui o meu espaço, pensei em escrever sobre o romantismo, especificamente sobre o meu romantismo e suas raízes. Lembrei o meu pai, que na rua andava de braços dados comigo, cantarolando a marcha nupcial e ensinando-me como caminhar ao altar. "Nesse dia", ele costumava dizer, "eu vou ficar tão feliz que vou chorar quando cumprimentar o noivo". E então emudecia, como se adiantasse o sentimento. Eu tinha 5 ou 6 anos.

Pois quis a vida, ou melhor, a morte que o meu pai se fosse antes de eu me casar. Ele tinha 58, eu 18. O vestido de noiva, a decoração da igreja, a recepção aos convidados, tudo enterrou-se com o meu pai. E quis então a vida que um ano se passasse até que eu conhecesse um certo alguém e me apaixonasse e namorasse e amasse e me juntasse e me casasse, porém sem véu nem grinalda muito menos padre.

E quis então a vida, mais uma vez, que o tempo passasse, meu filho nascesse, o casamento acabasse. Depois de mais de uma década ao lado daquele certo alguém, faz alguns meses que me entrego ao incerto. Certa de que a união rendeu bons frutos, mas enfim, sua razão deixou de existir.

Assim, recém-separada e numa fase totalmente desandada (ou andada demais?), não me acho uma boa referência quando se trata de romantismo. Sim, eu sou uma romântica, se o que diz o dicionário é verdade:

diz-se de quem, nas idéias, no caráter ou no temperamento, revela algo de cavalheiresco, de apaixonado, de nobre, que o eleva acima da realidade prosaica e cotidiana

O problema é que tenho vivido a realidade prosaica e cotidiana de forma tão intensa e desesperada que superá-la requer um esforço quase sobre-humano. Não tenho tido forças nem vontades nesse sentido. Oras, abraçar e beijar o aqui e o agora atraem e aguçam meu desejo muito mais do que qualquer possibilidade de nobreza elevada. Definitivamente, não vivo tempos nobres.

Pensei em escrever que tenho debochado do amor. Então, em outra consulta ao dicionário, espantei-me, ele me disse que debochar é "entregar(-se) à devassidão, aos prazeres carnais, ao vício".

Daí que dizer "debochar do amor" seria um pleonasmo. Tenho debochado da maneira mais pronominal possível, permitindo-me viver um dia após o outro, sem grandes preocupações com o que convém. De fato, passei por algumas situações inconvenientes num passado bem recente, mas nada que os meus 30 anos não me tenham ensinado a superar. Um sorriso amarelo, um tanto de cara de pau, afinal não é tão difícil assim manter a superfície calma.

Nessas ocasiões de sorriso amarelo, meu status não me preocupa. Mas ocupo-me deveras a pensar no que se fará de determinados relacionamentos. Bonitos e funcionais na superfície, calcados na mentira. Ou pelo menos na semiverdade. Ao que parece (e as aparências sempre enganam), aos homens não se configura uma quebra de contrato quando estes pulam a cerca, e às mulheres mais interessa manter o casamento (ou noivado ou namoro), mesmo que para isso seja necessário fechar os olhos a efetivas traições. Se é mesmo como me parece, eu sinto muito por esses casais. Entristeço-me diante deles.

A tristeza, no caso, não vem por causa das traições masculinas nem das ilusões femininas, mas das bases do contrato chamado relacionamento. Cada vez mais percebo que é uma bobagem estabelecer a exclusividade como uma das suas máximas inescapáveis. A monogamia talvez seja necessária no mundo capitalista contemporâneo, mas por que não adicionar ao universo monógamo umas pinceladas de cor de quando em vez, desde que sob regras claras e válidas para ambas as partes?

Ah, tenho me debochado demais. Estou perdendo a fé no amor.

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Caro leitor, cara leitora, encontre-me casualmente no meu blog seminal, o feminino do lótus. E toda quarta aqui, no Idéias (por enquanto, com acento).