quinta-feira, julho 17, 2008

Telefonemas e Uma Carta

Cacilda era uma mulher de quarenta anos, solitária, que vivia com a mãe viúva num sobrado de um bairro simples de Curitiba. A cada dia, sua carência e solidão machucavam mais.

Porém, até alguns anos antes era tudo muito diferente. Tinha uma vida agitada, vários amigos, e muitos, muitos namorados. Mas infelizmente nenhum dos relacionamentos durou mais do que dois anos, talvez por ter fama de namoradeira.

A questão é que agora, depois de três anos sem namorar, fazendo um balanço dos seus romances, lembrando de cada homem com quem se relacionou, decidiu procurá-los, não necessariamente para tentar reaproximação com algum deles, mas para saber como estavam ou entender o porquê de nenhum namoro ter dado muito certo. Resgatou suas velhas agendas e começou a anotar os nomes e telefones daqueles que julgava que valiam a pena.

Ao contrário do que ela mesma considerava mais lógico, começar em ordem alfabética, começou por aqueles que mais havia amado, com quem julgava que teria mais assunto, ou com quem seria mais fácil conversar.

Respirou fundo e pensou no que diria a cada um. Primeiro teve a idéia de criar um diálogo único, mas mudou de idéia e começou a escrever um para cada, mesmo sendo dezesseis situações diferentes. Achou insensato e acabou optando pela naturalidade, falar o que desse na telha com cada um deles. Passou o final de semana amadurecendo a idéia, pensando no que viveu com cada um, no que diria e no que poderia acontecer.

Na segunda feira de manhã com o coração palpitando, ligou para o Sérgio.

Não foi muito simpático, e depois de dois minutos de conversa soube que estava casado, assim como o João, o Edvaldo, o César, o Bola e o Júnior. Fora o número de filhos que cada um tinha, que variava de um a cinco.

Bateu uma depressão profunda e ela simplesmente foi queimando todos os vestígios dos números dos telefones desses homens para não cair em tentação e voltar a ligar um dia. Desanimada, resolveu abortar o plano, até que no final do dia recebeu no trabalho o telefonema do Mário. Como não lembrava de ninguém com esse nome quase dispensou o sujeito, mas ao ouvir sua voz grossa, seu modo gentil de falar e perceber um certo nervosismo pensou duas vezes e resolveu encarar.

Ele se identificou como irmão do Bola. “Logo do Bola”, pensou ela, a grande e inesquecível paixão da sua vida. Esse tinha sido seu relacionamento mais longo, durou um ano, onze meses e treze dias. Nunca se conformou de por apenas dezessete dias não ter chegado aos dois anos de namoro. Jamais havia esquecido dele, e confusa, não entendeu o motivo que fazia seu ex-cunhado ligar.

Com exceção do momento em que se identificou, Mário praticamente não tocou mais no nome do irmão, e disse que estava ligando para contar um segredo há muito tempo guardado e que mudaria a vida de todos os envolvidos, mas não sabia por onde começar.

Ela achava, e jurava que o telefonema estava sendo feito a pedido de Bola e quando sugeriu isso a Mário, ele ficou indubitavelmente enfurecido.

Após ela ter pedido desculpas, ele repentinamente começou a falar, visivelmente tenso:

— Cacilda, é o seguinte. Quando você namorava o safado do meu irmão eu fiquei...

A conversa foi brutalmente interrompida por alguns gritos incompreensíveis do outro lado da linha, alguém supostamente arrancou o telefone da mão do Mário e desligou o telefone.

Era inacreditável o que havia acontecido. Ela não tinha o telefone do Mário, e até poderia tentar descobrir novamente o do Bola, mas como não fazia idéia do que tinha acontecido anos atrás, e com medo do que havia acabado de ouvir, achou melhor arquivar o assunto e morrer com essa curiosidade, sem comentar nada com ninguém.

Três dias depois jurou ter visto Bola num carro, perto do seu trabalho no final da tarde, mas não houve como chamá-lo. Jurou que nunca mais pensaria no assunto e esqueceria do que aconteceu naquela segunda-feira.

Na manhã seguinte, foi anunciado no jornal local o assassinato do empresário Mário Silva pelo irmão, que em seguida cometeu suicídio. Cacilda ficou chocada, estarrecida. Mas o pior estava por vir. A mesma reportagem mostrou que um papel foi encontrado junto aos corpos, datado da noite do assassinato, cuja única palavra escrita era “Cacilda”, com uma letra que diziam ser de Mário.

Só restava a ela torcer para que a polícia nunca a encontrasse, pois naquele momento passou a ter muito medo do passado que ela desconhecia.

3 comentários:

Muta disse...

hum...

terá cacilda se embebedado e, após um menage a trois mal sucedido, tenha sido cúmplice de assassinato?

terá cacilda se embreagado e, após uma noite tórrida com o irmão errado, contou segredos de alcova obscenos sobre o outro?

terá cacilda atendido aquele telefonema do cunhado e afinal perguntado: mário? mas que mário?

Michele disse...

A grande questão é: quem tem coragem de colocar o nome de alguém de Cacilda? A infelicidade dessa mulher começa por ai.

Déa disse...

Morra com esta curiosidade, Cacilda! =P