A terceira declaração de amor embutida em meu cotidiano

Abri a torneira do chuveiro, e enquanto esperava o gás acender, pensei nas cachorras do tio Dilson. Espero que elas estejam bem, que a Cuca volte a comer ração direitinho, e que a água esquente, assim, sem machucar de tão quente. Me ensabôo com a mão esquerda, com a mesma mania desde que começou a alergia da mão, de achar que é do sabonete, não o pó dos livros do sebo. Compro os livros somente pelo preço; quanto pior o estado dos livros, mais baratos eles são; quanto mais baratos, mais empoeirados; daí a alergia da mão, e o sabão termina de escorrer.

A toalha é laranja, que eu fiquei de trocar desde que meu amor disse que não gosta de laranja. Ela é um pouco pequena para mim, mas meu amor também disse que eu é que molho muito as toalhas. Então deixo a água escorrer um pouco antes, e descubro que não troco de toalha porque fazer uma coisa que meu amor não gosta é um motivo a mais para se pensar nela. Tenho todos os motivos, e não deixaria de pensar se a toalha fosse vermelha. Mas não gosto de excluir um motivo em um milhão e termino de me secar pelos pés.

A calça é azul escuro, e eu procuro uma camisa que não seja azul para vestir. Vestir-se com uma só cor, não é bom. Chamar a atenção só pelos olhos não é bom também. Quem vai dar roupa para o André só pensa em azul ou verde, para combinar com os olhos. Verde, azul; azul, verde; azul, verde, azul: preta. Ainda bem que existe meu benzinho, que me deu essa camiseta preta.

Tomo o café da manhã com sete colheres de toddy no copo de leite. Tento imaginar um aparelho que conte as calorias de um alimento apenas jogando tudo dentro de um funil, enquanto mexo o leite com toddy que não vai se dissolver nunca. Abro o jornal e percebo a terceira declaração de amor embutida em meu cotidiano: leio o horóscopo do meu amor antes do meu.